Não me recordo de tudo nem de todos. Mas as memórias que me
surgem como flashes libertam-me um sorriso...nos lábios...de felicidade quando
penso em Alvarim.
A viagem prometia ser longa e com alguns enjoos pelo meio, a
ver as vistas, sempre tão diferentes de Lisboa. Diferentes de Lisboa, do meu
bairro, diferentes dos Olivais.
Era a camioneta que nos levava às tão ansiosas férias,
depois de esgotarmos nas tardes de galdérice na rua, todas
os jogos: às escondidas, ao apanha, aos policias e ladrões , à sirúmba...
Lá para Setembro , deixávamos as brincadeiras de rua e
rumávamos às aventuras da aldeia, entre matas, hortas, entre videiras e pessegueiros,
lagartixas e galinhas poedeiras, flores e canteiros à farta, tanques de lavar
roupa e fontes de água leve e fresquinha. Festas castiças, gente amável e
simpática aguardavam-nos e nós sabíamos.
Lá íamos, com um só destino: Alvarim, algures na Beira Alta.
Para onde vais? Perguntavam-me os amigos do bairro. Eu respondia com a alma
cheia: - Vou para a Beira Alta, para a terra da minha Avó. ...que nem lá morava,
curioso!!!
Ia ver a minha Tia Alice, que bebia o seu copinho de vinho
como ninguém e a minha Tia Aida que deitava sempre a sua lágrima quando nos
percorria a todos com dois beijos molhados e sempre agarrada à sua muleta. Esta
fazia de outra perna, aquela que lhe roubaram nos tempos em que a impotência da
medicina aliada às poucas posses, resolviam as infecções que não eram capazes
de controlar, com a amputação... Mas não se pense que a minha Tia Alice era
menos por isso. Ela era dona de uma força e energias que nem eu com as minhas
duas pernas, alguma vez hei-de atingir.
Lá íamos nós, montados na camioneta com malas e tralhas
aviadas para mais uma longas férias. Não sei muito bem como depois cabíamos
todos no táxi...sem cintos, sem cadeiras da Xico. Mas chegámos sempre bem ao
destino, à nossa aldeia, para nós a nossa casa de férias.
A receber-nos tínhamos o cheiro da terra, que se tornava
mais autêntico e intenso quando chovia. Éramos muitos e muitas malas se traziam
para aquela casa pequena que se enchia somente com a nossa presença. E os
vizinhos, sempre atentos e embora ocupados com os seus afazeres e tinham muitos,
davam conta da nossa chegada. Em especial os mais pequenos, as crianças, os
adolescentes que já sabiam que aquela gente de Lisboa estava de volta.
Da tradição, também fazia parte os cestos à porta. As batatas,
as cebolas, as couves tronchundas, as cenouras acabadas de apanhar, lá estavam
na manhã seguinte, a darem-nos as boas vindas, com todos os ingredientes para a
sopa da terra.