Já está. Já fiz a reserva. Eu e mais o grupo de amigos. Os do costume. Os que alinham sempre quando o assunto é ir até Sagres. São cá uns invejosos. Assim que sabem da noticia toca a ligar e a reservar. Nunca querem ficar de fora. E ainda bem que assim é.
Sagres é como a nossa terra. Aquela terra que dizemos que vamos, como quem vai ao norte, ver das batatas ou rever os avós.
Mas nós ali não temos as tias nem mesmos as couves portuguesas para regar.
Regados mesmo só mesmo de vinho ou cerveja fresquinha, depois de carregarmos as baterias ao sol. Sol é que não falta em Sagres.
Mas nós em Sagres temos também uma família muito importante para rever: o mar, as praias fabulosas, as conversas que se colocam em dia, o jogo da sueca que termina sempre em discussão sobre as cartas que saíram duas vezes no mesmo jogo, misteriosamente. As sandes místicas por nós baptizadas, porque se enfiam dentro do pão o queijo, o fiambre e a folha de alface para completar, como num ménage à trois.
Ir a Sagres é ver o que há de novo, os bares que fecharam, os outros que abriram, que supermercados vendem agora os seus produtos.
Mas o mar, esse está sempre lá, presente, com as suas ondas revoltadas, espicaçadas pelo vento. Ui, o vento. Já cá faltava este.
Este familiar nunca sai de Sagres. Aliás, disse um dia um amigo, que de Sagres, ou se gosta ou se odeia. E muito por culpa do vento.
Porque o vento leva-nos para fora da praia, empurra-nos para outra. Para onde o vento entende. E estar em Sagres também é isto. É mesmo isto. É estar sempre com a trouxa pronta para levantar tenda e ir procurar outro local onde tomar banho, onde o vento esteja de bom humor e permaneça invisível, ainda por pouco tempo.
Porque o vento é o mais antigo habitante de Sagres e não se prevê que emigre, apesar da crise, que dizem que anda por aí.
Eu acho que o vento faz de propósito, não deixa que ninguém se acomode. Partilha mas não cede, não cede Sagres a ninguém. Sagres é do vento. E o vento é ciumento.
Ir a Sagres obriga a ir comer um bife indescritível e saboroso, servido com uma salada que se devia chamar, qualquer coisa..arco íris, o tesouro ao fim do arco íris, é isso. O restaurante fica na praça do quiosque. Alguém se lembra do nome, para completar o ramalhete?
Ir a Sagres é ter que beber um copo no dromedário e no água salgada. E temos mesmo, mesmo que lá ir. É como ir ao norte e não ir àquela taberna, onde nos conhecem desde pequenos, é uma desfeita muito grande, pode-se ficar falado, sabe-se lá!
Preparar a mala de viagem até Sagres é igualmente especial. Temos que levar roupa especialmente quente, para as noites especiais onde quase todos os dias o vento sai à rua para cantar e uivar. Para nos recordar a quem pertence aquela ponta de Portugal, caso nos esqueçamos.
Mas na mala também tem de caber a toalha da praia, as raquetes de praia, a roupa de praia, o chapéu de praia, comprado exclusivamente para levar para Sagres porque no final da estadia, teremos que o deixar por lá, num caixote, porque se partiu numas das muitas demonstrações de poder do vento.
Lá estaremos em Sagres, muito em breve e o vento que se prepare porque nós iremos bem preparados.